Friday, January 19, 2007

Fazenda Vida Nova

A noite está tão afônica. Os monstros que por tanto tempo habitaram embaixo da minha cama enfim sossegaram. Estranho essa sensação de tranqüilidade e de alívio que paira por aqui. Seis horas em ponto e o sino da igreja toca pronunciando que tudo ficará bem, eu estou tão leve e o dia têm um tom azulado, tão claro e cristalino que me faz querer levantar e querer tocá-lo. Naturalmente há um tempo atrás isso era impossível, eu estava a quilômetros, longe do vestígio de qualquer civilização, presa em uma grande casa empanturrada de neve e, apesar disso aqui do alto eu observava tudo com minha minuciosa precaução.

Até que...

Engraçado como agora posso parecer tão cômica quando aperto sua mão e peço pra você ficar mais um pouco, no entanto você foi a coisa mais curiosa que me aconteceu nesses últimos anos. Faça a gentileza, dê meia volta, feche a porta e continue aqui.

Estranho esse (pré)sentimento. Eu sinto que qualquer ventania pode levar você pra bem longe em qualquer ocasião, você parece pertencer ao mundo do lado de fora e eu ao mundo de dentro. Quieta. Pensante. Exaustiva. Pequena. Friorenta. Aqui imóvel parada lendo seu livro de visitas. Tantas...

O que farei com toda minha ideologia cultivada que eu tinha até então? O que fazer com esse pomar no quintal que cresce a cada instante? Mas a verdade é que estou farta de tatear as coisas no escuro. Tantos anos assim. Tantos.

Merda! Seria errado demais achar que ele exala a verdade? Porque há bem alí, no fundo dos olhos arredondados e caramelados uma não-brincadeira, no meio de tudo existe um amontoado de cinzas com faíscas de boa-fé. Por um momento eu sinto que você deixou que o vento me alcançasse. Eu então A-B-O-C-A-N-H-O, assim de boca cheia mesmo.


Os olhos arredondados caramelados causam-me um arrepio; embora seja a forma com que me olha levantando repentinamente a sobrancelha, um constante movimento que me intriga, que me perturba, esse sim enlaça minhas mãos geladas e suadas. E eu, o que sou? Que ser submisso foi esse que me tornei? Meus joelhos parecem ser inimigos um do outro, não estão querendo tanta proximidade quando encontram os teus, os teus, só os teus. A boca deserta sentindo a falta do sabor salgado da tua pele morena. Tudo ficou tão confortável. O que eu era mesmo?

São as valiosas ilusões que me agarram pelo pé ou o momento certo de apostar todas as minhas fichas cobertas de teia de aranha e poeira?
De alguma forma, certa ou não, eu ainda estou aqui tentando fazer um número engraçado pra fazer você ficar um pouco mais.

Dê meia volta, fica do lado de dentro e espere só um segundo enquanto eu troco a fechadura.

3 comments:

Helton Moreira said...

Mais uma obra prima. Não é preciso nem dizer que se trata de uma linda declaração de amor e paixão e desejo. A linguagem é rebuscada e trabalhada intuitivamente, agradável. O Eu-lírico, proveniente de desilusões anteriores, custa a acreditar que sua atual paixão seja diferente dos outros, e tenta se preservar. Tudo em vão, claro, pois a paixão é sempre mais forte e a obriga a se entregar às súplicas para que o companheiro fique.
E tudo isso sem perder o velho humor característico da autora: "A-B-O-C-A-N-H-O" e "apostar todas as minhas fichas cobertas de teia de aranha e poeira".
Tão linda é a declaração, que qualquer análise se faz inútil. Útil mesmo é ler novamente o texto.

Anonymous said...

É... Nossas fichas empoeiradas, juntas, podem formar um "Báu do Tesouro".

Os tombos de nANda_fEr ^^. said...

ethi!!
apareci por aki!!
bjao!!!