Friday, April 06, 2007

Reprise


Quase 22 anos com uma discreta existência, experimentou ousar pela primeira vez. Cotovelos apoiados sobre a mesa, a pálpebra já estava levemente caída. Por debaixo daquela mesa de bar o desejo escorria por entre as pernas e com o punho nervoso abafou o copo alcoólico, tomou o último gole.Olhou de soslaio.Sorriu. Levantou de maneira indiscreta e prosseguiu indo atrás da tentação que há tempos lhe tragava. Pensou em uma desculpa boba qualquer, algo como pedir fósforos, mas automática-mente lembrou que havia parado de fumar, melhor optar por nenhum pretexto.


Olhou nos olhos dele com um olhar dividido entre a doçura e a lascividade, as palavras tornaram-se desnecessárias. Jogou contra a parede do banheiro aquele corpo inertemente assustado e tascou nele um beijo úmido em um total canibalismo. Perdendo total compostura agiu como uma meretriz barata em fim de noite.

Mas era mais.
Algo acumulado que estourara descosturando bruscamente toda aquela recatez caoticamente conservada. Puxando levemente pela nuca os longos cabelos sedosos dele sentiu o corpo voluntariamente invadido por uma tsunami que transborda em seu tecido inferior. Um calor nos pensamentos e o suor nasce discretamente. A respiração ofegante ativa os pontos mais sensíveis. Eram boas resposta essas mãos na cintura forçando permanecer cada vez mais perto e uma ereção sanguínea sente palpitar. Um arrepio agradável sai pelos poros. Uma frustrante vontade de ser erguida pela cintura e ser colocada sobre a pia.


Um duelo agora seguido de uma breve pausa.
Ele olha com um olhar interrogativo, ela sorri de um modo doloroso e os pensamentos voam até ele, talvez aquela beleza triste o tenha fascinado nesse preciso momento. De alguma forma ela queria existir para ele. Uma dúvida que sempre a assolava como uma estúpida humana que é. Queria ser mais do que um nome estranho no seu celular, mais que uma amiga de curso incomum, mais do que uma carcaça que carrega um par de seios fartos. Ela até pouco tempo tinha o coração feito de plástico, ninguém duravelmente despertava interesse interno há um bom tempo e agora se depara diante desse tórrido desafio.


É bizarra a sensação de estarem parados, como se tivessem algo a dizer. Sensação claustrofóbica onde qualquer palavra dita será capaz de estragar.
O ambiente cheira a desejo, desejo de se desvencilhar de todo panaral que os separa. Desejo de se livrar do passado. Desejo de mandar se danar todos os olhares conhecidos que se intercalam na tentativa frustrante de fazer pensar que os dois são pecadores convictos.


Ela sente.

Há naquele homem a extensão de si.



Saturday, March 24, 2007

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Bom para quem sabe flutuar...

Friday, January 19, 2007

Fazenda Vida Nova

A noite está tão afônica. Os monstros que por tanto tempo habitaram embaixo da minha cama enfim sossegaram. Estranho essa sensação de tranqüilidade e de alívio que paira por aqui. Seis horas em ponto e o sino da igreja toca pronunciando que tudo ficará bem, eu estou tão leve e o dia têm um tom azulado, tão claro e cristalino que me faz querer levantar e querer tocá-lo. Naturalmente há um tempo atrás isso era impossível, eu estava a quilômetros, longe do vestígio de qualquer civilização, presa em uma grande casa empanturrada de neve e, apesar disso aqui do alto eu observava tudo com minha minuciosa precaução.

Até que...

Engraçado como agora posso parecer tão cômica quando aperto sua mão e peço pra você ficar mais um pouco, no entanto você foi a coisa mais curiosa que me aconteceu nesses últimos anos. Faça a gentileza, dê meia volta, feche a porta e continue aqui.

Estranho esse (pré)sentimento. Eu sinto que qualquer ventania pode levar você pra bem longe em qualquer ocasião, você parece pertencer ao mundo do lado de fora e eu ao mundo de dentro. Quieta. Pensante. Exaustiva. Pequena. Friorenta. Aqui imóvel parada lendo seu livro de visitas. Tantas...

O que farei com toda minha ideologia cultivada que eu tinha até então? O que fazer com esse pomar no quintal que cresce a cada instante? Mas a verdade é que estou farta de tatear as coisas no escuro. Tantos anos assim. Tantos.

Merda! Seria errado demais achar que ele exala a verdade? Porque há bem alí, no fundo dos olhos arredondados e caramelados uma não-brincadeira, no meio de tudo existe um amontoado de cinzas com faíscas de boa-fé. Por um momento eu sinto que você deixou que o vento me alcançasse. Eu então A-B-O-C-A-N-H-O, assim de boca cheia mesmo.


Os olhos arredondados caramelados causam-me um arrepio; embora seja a forma com que me olha levantando repentinamente a sobrancelha, um constante movimento que me intriga, que me perturba, esse sim enlaça minhas mãos geladas e suadas. E eu, o que sou? Que ser submisso foi esse que me tornei? Meus joelhos parecem ser inimigos um do outro, não estão querendo tanta proximidade quando encontram os teus, os teus, só os teus. A boca deserta sentindo a falta do sabor salgado da tua pele morena. Tudo ficou tão confortável. O que eu era mesmo?

São as valiosas ilusões que me agarram pelo pé ou o momento certo de apostar todas as minhas fichas cobertas de teia de aranha e poeira?
De alguma forma, certa ou não, eu ainda estou aqui tentando fazer um número engraçado pra fazer você ficar um pouco mais.

Dê meia volta, fica do lado de dentro e espere só um segundo enquanto eu troco a fechadura.